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Cris Poli, a Supernanny, fala sobre sua experiência de mais de 40 anos em educação infantil

Entre as convicções de Cris Poli estão a crença na restauração de famílias desestruturadas e no resgate aos princípios bíblicos de autoridade, disciplina e amor. Cris não aceita a “palmada educativa” que, segundo ela, não tem efeito positivo. E acredita antes na educação dos pais para a completa educação dos filhos.

Evangélica, não faz alarde sobre sua fé, mas sabe que por meio de seu trabalho pode ensinar os princípios do Reino de Deus às famílias. Fazer com que voltem a experimentar os planos do Senhor. Nesta entrevista exclusiva para a Revista Comunhão, destaca três assuntos. O impacto da tecnologia no processo educacional; a mudança no comportamento de pais e filhos; e a proposta de seu novo livro.

Confira a entrevista abaixo:

A senhora é uma das educadoras mais conhecidas atualmente. De onde vem sua paixão pela educação infantil?

Praticamente a minha vida inteira tenho me dedicado à educação. Estudei, fiz magistério e comecei a trabalhar muito novinha e ainda na Argentina fiz faculdade de educação. À medida que fui trabalhando, me apaixonei e me dediquei o tempo todo a isso.

A senhora já lecionou em colégios da Argentina e do Brasil. Existem diferenças na maneira de educar os filhos de um país para o outro?

Sim, o sistema educacional é um pouco diferente. A principal diferença é que Argentina as escolas estavam muito voltadas para uma cultura geral. Para instruir e educar os alunos não somente na parte acadêmica e cultura geral, mas na transmissão de valores e caráter. No Brasil, eu lecionei somente em um colégio, por 12 anos, depois passei a dar aulas particulares e trabalhei bastante com adolescentes. Esse colégio em que trabalhei – Escola de Futuro – é um colégio cristão,. Dedicado a ensinar a cultura do Brasil e de fora, situar o aluno no mundo e também se preocupava com essa questão de caráter. Então, o trabalho que fiz aqui foi muito parecido com o que fazia na Argentina. Mas eu sei que, em geral, a educação no Brasil não tem esse foco em valores e caráter como padrão educacional.

Qual o maior desafio que enfrentou em sua carreira?

Trabalhar com as famílias junto com a escola. Isso continua sempre um grande desafio, e hoje muito mais do que antigamente, porque os pais trabalham fora e têm pouco tempo pra dedicar aos filhos e ao acompanhamento escolar.

Do início de sua carreira até agora, o que mudou no comportamento das crianças?

Mudou muita coisa, porque a gente está vivendo numa época em que todo esse avanço tecnológico está muito presente na vida das crianças desde que elas nascem. Eu tenho quatro netos – o mais velho de 13 anos, outro de 10, um de 6 e a pequenininha de 3 anos -, e eu vejo que eles têm uma maneira de raciocinar, de dialogar, um vocabulário que é bem mais avançado do que a idade que eles têm. E isso é produto desse contato com a televisão, com o videogame, com os desenhos de diferentes níveis, o que dá para as crianças um raciocínio e uma rapidez mental muito maiores do que tinham as crianças de antes.

A tecnologia ajuda ou atrapalha na educação dos filhos?

Ajuda se você consegue administrá-la adequadamente para que não ocupe 100% do tempo das crianças, para que elas possam alterná-la com outro tipo de atividade, e eu acho que é isso que tem se perdido. Meu desafio é trabalhar o comportamento das crianças e também com os pais, para que eles possam resgatar algumas das coisas que faziam parte do relacionamento familiar no passado e que hoje não fazem mais. Uma brincadeira, por exemplo, de pega-pega, pique-esconde, ioiô, amarelinha, tudo isso que dá uma interação muito importante entre pais e filhos, hoje se perdeu. E quem ocupou o espaço foi o computador, o videogame, a internet, o celular. Precisa haver um equilíbrio, e se os pais conseguem estabelecer esse equilíbrio, então, é bom, e a gente pode colocar a tecnologia a serviço do desenvolvimento e da educação dos filhos.

E no comportamento dos pais, o que mudou?

Muita coisa também, até porque hoje a maioria trabalha fora o dia todo, tem pouco tempo para ficar com as crianças e acaba terceirizando a educação dos filhos e delegando a autoridade deles e a responsabilidade de educar. Estão passando essa responsabilidade para escolas, babás, empregadas, vovós, que são colaboradores neste tempo em que os pais trabalham. Não tenho nada contra aos pais trabalharem fora, pelo contrário, mas eu acho que precisam administrar bem o tempo livre e entender que a responsabilidade da educação dos filhos continua sendo deles.

Tramita no Congresso Nacional um projeto de lei contra a palmada. Em sua opinião, proibir a palmada no processo de educação de filhos será um avanço ou retrocesso?

Não acredito em palmada educativa. Ela é uma invenção que não sei de onde saiu, acho que veio para justificar o fato de bater na criança e que foi colocado como um processo de educação. Bater não educa. Eu não sou a favor de bater, por outro lado, entendo que você não impede que as crianças sejam espancadas ou que os pais batam nelas através de uma lei. Você precisa educar os pais e dar para eles uma alternativa de educação firme, com convicção, sem necessidade de bater. E isso é o que tenho feito ao longo de seis anos com o programa no ar, com as famílias que eu tenho visitado. Tenho mostrado para elas que dá para educar os filhos e mudar o comportamento deles sem a necessidade de bater, com regras, disciplina, posicionamento, atitude firmes e de intervenção. E essa palmada educativa é muito relativa, afinal, como você regula ou administra o que é educativo e o que não é, o que é espancar e o que é bater de “levinho”… Não entendo como o governo vai conseguir administrar essa lei, como vai fazer. Vai mandar fiscais nas casas?

Os jovens de hoje são apontados como irresponsáveis e muitos não respeitam professores, pessoas mais velhas nem mesmo os pais. Isso é reflexo de uma educação “frouxa”?

É reflexo de um período de educação permissiva, sem limites. Essa realidade mostra uma permissividade da parte dos pais, uma falta de limites, porque sem limite não há respeito pelo outro, por uma autoridade. Eu não gosto muito de usar a palavra culpa porque é muito forte e porque os pais não fazem as coisas de propósito, cada um tem um histórico, um problema ou justificativa, mas creio que a educação tem sido muito permissiva. Aquela ideia de que não pode falar “não” para criança porque traumatiza e que ela precisa viver em liberdade e fazer o que quer dá nisso aí. A criança não sabe o que é viver em liberdade, ela ainda não tem parâmetro de limite. A criança nasce sem limite e quem tem que colocá-lo são os pais. E se você não faz isso em casa, quando a criança entra na escola ela não respeita ninguém. Se a criança não reconhece a autoridade da mãe e do pai, imagina se vai entrar na escola e reconhecer a autoridade de uma diretora, coordenadora ou professora.

A senhora trabalha com o método educativo do “cantinho da disciplina”. Como ele funciona?

Esse método consiste em você colocar limites para ensinar a criança o que é certo e o que é errado, através de regras. A primeira coisa que você tem que mostrar para a criança é o que pode e o que não pode, aquilo que você espera dessa criança, porque ela precisa saber o que o pai espera dela. E isso se estabelece através de regras, de falar o que é agora e o que vem depois. E isso funciona através de regras claras, concretas e de acordo com a idade da criança. Se essa criança não cumpre a regra, você chama a atenção dela e dá uma advertência, só isso, para que a criança possa ficar alerta e mudar o comportamento sozinha. Se ela não muda, você repete a advertência e leva-a ao cantinho da disciplina, que é um lugarzinho qualquer onde ela vai sentar e refletir sobre essa regra que ela não cumpriu. E fica lá um minuto por ano de idade, porque a gente não pode exigir da criança uma coisa que ela não pode dar. Não adianta dizer que vai ficar meia hora ou uma hora, porque isso não vai funcionar. Aí a criança vai entendendo que quem está mandando é o pai e a mãe e que ele precisa obedecer. É um método que dá certo e é feito com tranquilidade, consciência e firmeza.

E quando a criança não corresponde de maneira positiva, o que fazer?

Cada criança tem a sua personalidade, algumas aprendem mais rápido, outras demoram mais, mas o que precisa existir é o entendimento do pai de que esse é um método bom, que não precisa bater e que será preciso insistir, perseverar e ser insistente com aquilo que está tentando ensinar, até que a criança entenda. E isso exige do pai convicção, firmeza, responsabilidade, ir até o fim, entender que ele comanda a situação e que se ele chegar até o fim vai ganhar essa batalha, mas que se ele abandonar no meio do caminho, a criança ganha a batalha e depois retomar isso vai ser mais difícil.

É possível ensinar limites aos filhos de maneira mais saudável, conquistando o respeito e não o medo da criança?

Se você não fica amedrontando a criança, nem batendo, nem gritando, ela entende que não precisa ter medo. É todo um processo tranquilo, mas que exige dos pais convicção e autocontrole. Eu tenho falado muito isso para os pais, e quando eles entendem e fazem dessa maneira, a criança corresponde, porque ela se sente amada, respeitada, cuidada e vai tendo seu comportamento modelado.

A educação de filhos deve ser, então, um processo prazeroso, e não traumático?

Exato. Na verdade, a educação não precisa ser traumática, é um processo de modelar o comportamento da criança para que seja adequado para viver em sociedade. E isso não precisa ser traumático. Eu vejo que o bater, mesmo que seja a tal palmada pedagógica, é uma coisa violenta, por mais que os pais digam que não faz mal, ninguém gosta de receber um tapa, nem mesmo um adulto. E é a mesma coisa com a criança, e isso é algo que os pais precisam entender. Quando a criança é ensinada dentro desse contexto, ela gosta e se sente feliz, pois vê que os pais estão se preocupando com ela.

A senhora acaba de lançar o livro “Pais Responsáveis Educam Juntos”. O que é “educar junto”?

É o processo de andar juntos, é um processo que tem que se dar em igualdade entre os dois. Pode ser que a mãe tenha mais tempo disponível para os filhos, mas quando falamos de estar junto, estamos falando de atitude e de responsabilidade diante dos filhos. E independente se os pais estão morando juntos ou não, os pais têm que assumir essa responsabilidade e fazer um esforço, que, eu sei, às vezes, é muito difícil, mas é preciso entrar num diálogo e num acordo a respeito da educação da criança.

No livro a senhora aborda a questão da escolha da escola. Quais cuidados os pais devem ter nessa seleção?

A escola é colaboradora na educação da criança. Então, a escolha da escola é importante porque ela deve falar a mesma linguagem da família a respeito da educação dos filhos. Eu sei que nem sempre a gente pode escolher a escola que a gente quer, por diversas situações, mas, pelo menos, deve saber como a escola lida com diferentes situações. O que a escola faz diante de mau comportamento? Como ela impõe disciplina? E os valores que estão sendo ensinados a essas crianças? Isso é importantíssimo, porque senão é a criança quem sofre, pois ela ouve uma coisa em casa e na escola escuta outra e fica confusa.

Qual o papel da escola na educação das crianças?

A responsabilidade da educação é dos pais, a escola é uma colaboradora. Claro que enquanto as crianças estão na escola, ela é responsável pela criança e por aquilo que está sendo transmitido para ela, mas não é responsável pela educação das crianças, isso é uma parceria com os pais.

Qual o maior desafio na educação de filhos nos dias de hoje?

Poder estabelecer um equilíbrio entre o tempo em que estão juntos ou separados, entre a interferência da tecnologia e da mídia, entre impor respeito sem colocar medo, ter autoridade sem ser autoritário, assumir a responsabilidade sem sentir culpa por não poder estar muito tempo com os filhos… O desafio maior é o equilíbrio entre o amor e o limite. É difícil, mas é possível, requer entendimento, convicção, firmeza e perseverança.

Fonte: Revista Comunhão

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